Estou com medo de ir para a cama hoje. Estou evitando ao máximo. Não são mais os mesmos monstros que nos assustam quando somos apenas crianças. Mas ainda assim: são monstros!
Os montros psicológicos que, aí sim, usam da mesma arma que quando somos crianças para nos apavorar: nossa própria insegurança.
Deito na cama e percebo que estou sozinho. Daí eu fico mais sozinho do que nunca. Solidão é fogo que não arde mas se sente. Se ardesse até seria bom, mas não. Solidão é angústia e esse é sempre um dos piores sentimentos pra uma pessoa sentir num dia de vida. Na morte é bom, não tem nada pra fazer mesmo.
Em movimento harmônico simples minha insegurança oscila: "consiguirei dormir?". Tenho pavor de não dormir. Imagino-me vivendo o outro dia: cansado demais pra aproveitar as horas que eu tenho que ficar acordado.
Tecnicas para dormir, como contar carneirinhos por exemplo, foram inventadas por pessoas que estavam tendo insônia (das piores) e, portanto, nunca funcionaram e nunca funcionarão. Vamos deixar claro.
Você fica ali, tendo aquele fluxo de consciência eterno que por vezes faz o tempo passar horas, por vezes segundos. A gente é tão facilmente enganado pelo tempo que às vezes penso que ele é o maior político que já existiu.
E você ali, tentando dormir. E você nunca vai dormir. Um fluxo de consciência passa pela sua cabeça e as informações vem e vão até não terem mais nexo.
Você acorda no outro dia e percebe que insônia é uma das coisas mais estúpidas do mundo!
sábado, 14 de junho de 2008
Estúpida Insônia Solitária
O Olho Mágico!
Entrava no mercado escolhia a dedo os mantimentos e dirigia-se ao caixa. Era totalmente natural aquele procedimento para Flávio Olavo. Comprava dois ou três whiskys por mês, dependia dos gastos supérfluos com feijão e arroz. Tinha essa coisa de semi-vício em Flávio Olavo. Era colocar o primeiro vício em cima da esteira rolante e a imagem de uma das empacotadoras vinha logo a sua cabeça. Seu olhar, quase como um hábito inalterável, encontrava o olhar de Francisca Ferdinanda. Não era o seu verdadeiro nome, mas ele gostava de pensar assim. Afixionado por história, Flávio imaginava que se Francisco Ferdinado (principe austriáco, assassinado no acontecimento que antecedeu a primeira guerra mundial) fosse travesti, ele seria muito parecido com aquela méra empacotadora de supermercado de bairro. Nunca perguntara o nome da moça. Por destino ou anti-poder do subconsciente ele nunca escolhia o mesmo caixa em que Francisca estava. Nunca trocaram palavras se quer.
Primeiro os olhares se encontravam, em seguida desviavam. Não sabiam por qual motivo, mas os olhares desviavam. E só se encontravam um tempo depois. Na hora de "dizer" tchau. Um leve aceno de cabeça mais sorriso vindo de ambos. Acabava ali.
Mas naquela noite de outubro algo estava errado. Não, nada de tão excepcional nele comprar 4 whisks, estava de regime. Francisca Ferdinanda não estava lá. E de repente, ela nunca existiu. O mundo daquele homem caiu.
Trocou cartão de débito por de crédito e só percebeu no meio do mês seguinte. O que teria acontecido com ela? Não disse boa noite para a caixa ao sair do mercado. Teria se demitido? Tropeçou logo no primeiro degrau da portaria do prédio em que morava. Será que ela se sentiu incomadada com alguma atitude dele? Um minuto e meio para achar a chave do apartamento, bem mais que a média. Teria Morrido? Trancou a porta.
O mundo daquele homem caiu. Por quê? Por que não movera a boca e disse "oi" naqueles 2 anos de olhares trocados? Por quê? Promoveu um copo de uísque e bebeu.
Imaginou por alguns instantes o que teria acontecido se tivesse usado a dádiva da fala para com Francisca. Teriam se tornado amigos. Sobre o que falariam? Um mês sobre o clima, com certeza. No outro sobre a novela das oito que é a novela que todo mundo vê mesmo que não assista. E no outro, quem sabe? A crise dos alimentos ou a ascensão da China a partir da revolução cultural? Outro copo de whisky .
Culpou a cultura que temos de não conversarmos com desconhecidos. Ora pois! Eramos todos seres humanos capazes, podiamos e deviamos falar uns com os outros. Sentiu-se estranho de nunca ter dado mais do que um bom dia para o cobrador do onibus que pegava todos os dias. E culpou tantps motivos quanto pode sobre essa vida calada. Do capitalismo ao individualismo! Outro copo de whisky .
Passos foram ouvidos por ele no corredor do prédio. Num ato cem por cento incomum, como se uma marionete cordenasse seus movimentos, ele levantou do sofá e foi arremessado à porta exatamente na altura exata em que seu olho encaixou no olho mágico.
Viu uma mulher de costas para ele, abrindo a porta do apartamento a frente. Ela deixou cair um papel no chão. E ao levantar quem olhava para ele não era mais uma mulher. Era Francisca Ferdinanda.
Não soube o que fazer. Mas os seus impulsos souberam. Abriu a porta ainda há tempo de vê-la tomar um susto. Encararam-se por alguns intantes.
Oi!
Oi! - e ela sentiu o bafo característico.
Tudo bem?
Tudo.
Não te vi no mercado hoje. Pediu demissão?
Ela, cara de "como dizer?":
Empacotei suas compras hoje senhor...
Flávio.
Fernanda, prazer.
Fernanda se matou no dia seguinte. Os familiares afirmaram à Flávio no dia de seu enterro que ela era uma mulher de 35 anos infeliz desde que perdera o marido há 2 anos atrás. Mudara-se de apartamento, pois não consegui mais viver no mesmo ambiente em que vivera os dias felizes com ele.
Flávio Olavo nunca mais bebeu.
quarta-feira, 11 de junho de 2008
Problemas da vida privada
Toda vez que alguém me diz “eu sei exatamente o que você está sentindo”, me desespero. Sinto-me incapaz de guardar pra mim parte do que é pra ser só meu. Um pedaço de mim simplesmente cai. Um pedaço de sentimento, cai. Não sei como, cai. Às vezes penso que quando vou ao banheiro sai até desses tais sentimentos junto, nem sempre de forma simples, rápida e direta.
Coisa minha mesmo. Nunca tenho a intenção de que seja sentido por mais alguém no mundo, mas o sentimento é por vezes tão gigante que não cabe
E as pessoas vêm e, escafandristas que são, vasculham. No âmago do meu ser elas descobrem cada detalhe, e do mais alto dos pedestais proclamam: “eu sei o que você sentiu no verão passado, neste e no próximo”. No entanto não culpo ninguém por essas atitudes pseudo-altruístas. Mas o meu íntimo não, este trabalha por conta própria. Não gosta que intervenham nem nas cagadas que eu ele (meu íntimo) possamos ter cometido.
Dia desses sai da moita. Um amigo se queixava da vida e da esposa e da carestia e da greve dos roteiristas e eu, sem prepotência alguma, escapuli: “Pois é, eu sei exatamente o que você está passando”.
Regurgitei, entende? Não era o que eu queria dizer. Na realidade eu não fazia a menor idéia do que ele estava passando. No pão eu sabia, fato: era margarina. Mas e na vida? De que tipo de gorduras-trans meu querido amigo estava se lambuzando? Foi então que eu entendi [admiti]: eu não sabia.
Eu não sabia que aspecto teria no futuro aquele pão com muita margarina. Mas eu imaginava que ia fazer mal, não se passa tanta margarina no pão, que irritante. Eu queria que ele tirasse pelo menos 30 por cento, aquilo ia lhe fazer mal. Os problemas que aquilo poderia gerar me preocupavam. Era meu amigo! Não queria que engordasse seus problemas. Então eu soube, naquele instante, que eu não fazia a menor idéia de como era comer pão com bastante margarina. Talvez fosse bom. Enfim.
Eu não sabia o que ele estava passando [na vida], mas eu disse que sabia. Num impulso, pra ajudar um amigo, solidariedade pura (livre de gorduras-trans). Tentei limpar um pouco das cagadas que ele estava fazendo com essa solidariedade toda que eu tinha pra dar.
Quando Juracy, minha amiga e diarista, saiu do meu apartamento hoje a tarde, achei bonito lhe dizer obrigado. Era ela que sempre deixava meu banheiro brilhando. Mas dessa vez eu vi mais que um banheiro brilhando: quando olhei para aquele banheiro limpo, minha vida inteira deu um passo a frente. Durante pelo menos 10 segundos, ficou livre de problemas e eu entendi melhor as frases clichês que as pessoas usam.
segunda-feira, 2 de junho de 2008
Sim, Einstein, você estava certo!
Eles se olharam profundamente naquele último instante após a briga. Era olhar de ódio sim, mas envolvia uma culpa que fazia remorso no coração de ambos. Ela se virou para a parede e fitou-a por vários instantes. Sua consciência dava zigue-zagues entre vontade de pedir desculpas, esperar ele pedir desculpas, afinal era tudo culpa dele, e a cor detestável daquela parede de seu quarto. Ela vem pedindo pra Carlos Fabiano mudá-la há dois anos (ela sempre contabilizava o tempo que o Marido demorava pra realizar seus desejos).
No próximo segundo, de forma rápida e segura, ela se viu encarando os olhos do amado novamente. Ela nunca soube quanto tempo (cerca de 2 segundos) ela demorou para responder a pergunta dele: "Você me perdoa?". O tempo era dez vezes mais relativo para Maria Cristina que para o resto da humanidade. Ela, através de devaneios pós-coito, criou um plano miraboloso de destruir a teoria da relatividade de Einstein, que com certeza não previu o desenrolar da vida social no mundo moderno. Mas ela, formada em letras, tinha todo o estudo detalhado para provar que o tempo, pasmem, não existe. O que existe é uma massa de ar que vêm do atlântico norte que irá mudar o clima amanhã a tarde em...
E ela voltou ao mundo real. O marido havia desligado a televisão, onde ela manteu o olhar fixo durante todo aqueles dois segundos. Talvez curtindo a cara de arrependimento de Carlos Fabiano. Talvez pensando numa resposta. Ele esperava uma resposta, agora com precipitação eminente nos olhos.
Mas como costuma acontecer quando brigamos e ficamos em dúvida se temos razão ou culpa, Maria Cristina apenas respondeu: "Você me perdoa?"
Um abraço. Um daqueles abraços que damos e apenas os melhores momentos passam num piscar de olhos pela nossa frente ao som de Janis Joplin. Depois de 7 anos de casamento próspero e graças a infertilidade (dele, não, dela. Dele. Não, dela. Cadela! Calma! Não vamos começar de novo), zero filhos. Pensando no tempo que faltava para serem considerados um casal unido e estável, escreveu mentalmente: "Sim Einstein, você estava certo!"