sábado, 14 de junho de 2008

O Olho Mágico!

Entrava no mercado escolhia a dedo os mantimentos e dirigia-se ao caixa. Era totalmente natural aquele procedimento para Flávio Olavo. Comprava dois ou três whiskys por mês, dependia dos gastos supérfluos com feijão e arroz. Tinha essa coisa de semi-vício em Flávio Olavo. Era colocar o primeiro vício em cima da esteira rolante e a imagem de uma das empacotadoras vinha logo a sua cabeça. Seu olhar, quase como um hábito inalterável, encontrava o olhar de Francisca Ferdinanda. Não era o seu verdadeiro nome, mas ele gostava de pensar assim. Afixionado por história, Flávio imaginava que se Francisco Ferdinado (principe austriáco, assassinado no acontecimento que antecedeu a primeira guerra mundial) fosse travesti, ele seria muito parecido com aquela méra empacotadora de supermercado de bairro. Nunca perguntara o nome da moça. Por destino ou anti-poder do subconsciente ele nunca escolhia o mesmo caixa em que Francisca estava. Nunca trocaram palavras se quer.
Primeiro os olhares se encontravam, em seguida desviavam. Não sabiam por qual motivo, mas os olhares desviavam. E só se encontravam um tempo depois. Na hora de "dizer" tchau. Um leve aceno de cabeça mais sorriso vindo de ambos. Acabava ali.
Mas naquela noite de outubro algo estava errado. Não, nada de tão excepcional nele comprar 4 whisks, estava de regime. Francisca Ferdinanda não estava lá. E de repente, ela nunca existiu. O mundo daquele homem caiu.
Trocou cartão de débito por de crédito e só percebeu no meio do mês seguinte. O que teria acontecido com ela? Não disse boa noite para a caixa ao sair do mercado. Teria se demitido? Tropeçou logo no primeiro degrau da portaria do prédio em que morava. Será que ela se sentiu incomadada com alguma atitude dele? Um minuto e meio para achar a chave do apartamento, bem mais que a média. Teria Morrido? Trancou a porta.
O mundo daquele homem caiu. Por quê? Por que não movera a boca e disse "oi" naqueles 2 anos de olhares trocados? Por quê? Promoveu um copo de uísque e bebeu.
Imaginou por alguns instantes o que teria acontecido se tivesse usado a dádiva da fala para com Francisca. Teriam se tornado amigos. Sobre o que falariam? Um mês sobre o clima, com certeza. No outro sobre a novela das oito que é a novela que todo mundo vê mesmo que não assista. E no outro, quem sabe? A crise dos alimentos ou a ascensão da China a partir da revolução cultural? Outro copo de whisky .
Culpou a cultura que temos de não conversarmos com desconhecidos. Ora pois! Eramos todos seres humanos capazes, podiamos e deviamos falar uns com os outros. Sentiu-se estranho de nunca ter dado mais do que um bom dia para o cobrador do onibus que pegava todos os dias. E culpou tantps motivos quanto pode sobre essa vida calada. Do capitalismo ao individualismo! Outro copo de whisky .
Passos foram ouvidos por ele no corredor do prédio. Num ato cem por cento incomum, como se uma marionete cordenasse seus movimentos, ele levantou do sofá e foi arremessado à porta exatamente na altura exata em que seu olho encaixou no olho mágico.
Viu uma mulher de costas para ele, abrindo a porta do apartamento a frente. Ela deixou cair um papel no chão. E ao levantar quem olhava para ele não era mais uma mulher. Era Francisca Ferdinanda.
Não soube o que fazer. Mas os seus impulsos souberam. Abriu a porta ainda há tempo de vê-la tomar um susto. Encararam-se por alguns intantes.
Oi!
Oi! - e ela sentiu o bafo característico.
Tudo bem?
Tudo.
Não te vi no mercado hoje. Pediu demissão?
Ela, cara de "como dizer?":
Empacotei suas compras hoje senhor...
Flávio.
Fernanda, prazer.
Fernanda se matou no dia seguinte. Os familiares afirmaram à Flávio no dia de seu enterro que ela era uma mulher de 35 anos infeliz desde que perdera o marido há 2 anos atrás. Mudara-se de apartamento, pois não consegui mais viver no mesmo ambiente em que vivera os dias felizes com ele.
Flávio Olavo nunca mais bebeu.


3 comentários:

Unknown disse...

Pôxa, história complicada e triste mas nos dias de hoje é bem real temos vizinhos e nem as conhecemos.
Bom, recebi um meme e não sei se você gosta, como tenho que repassar para 5 pessoas lembrei de você, esta lá no Blog...OK
Abraços

Thaís disse...

oi, vi o link do seu blog na comunidade livro da tribo, gostei mto, história triste mais ótima...parabéns!

Carol Rodrigues disse...

Caraca!
esbugalhei os olhos com o final do texto!!!