quarta-feira, 11 de junho de 2008

Problemas da vida privada


Toda vez que alguém me diz “eu sei exatamente o que você está sentindo”, me desespero. Sinto-me incapaz de guardar pra mim parte do que é pra ser só meu. Um pedaço de mim simplesmente cai. Um pedaço de sentimento, cai. Não sei como, cai. Às vezes penso que quando vou ao banheiro sai até desses tais sentimentos junto, nem sempre de forma simples, rápida e direta.
Coisa minha mesmo. Nunca tenho a intenção de que seja sentido por mais alguém no mundo, mas o sentimento é por vezes tão gigante que não cabe em mim. Daí que solto pro mundo pra ser feliz.
E as pessoas vêm e, escafandristas que são, vasculham. No âmago do meu ser elas descobrem cada detalhe, e do mais alto dos pedestais proclamam: “eu sei o que você sentiu no verão passado, neste e no próximo”. No entanto não culpo ninguém por essas atitudes pseudo-altruístas. Mas o meu íntimo não, este trabalha por conta própria. Não gosta que intervenham nem nas cagadas que eu ele (meu íntimo) possamos ter cometido.
Dia desses sai da moita. Um amigo se queixava da vida e da esposa e da carestia e da greve dos roteiristas e eu, sem prepotência alguma, escapuli: “Pois é, eu sei exatamente o que você está passando”.
Regurgitei, entende? Não era o que eu queria dizer. Na realidade eu não fazia a menor idéia do que ele estava passando. No pão eu sabia, fato: era margarina. Mas e na vida? De que tipo de gorduras-trans meu querido amigo estava se lambuzando? Foi então que eu entendi [admiti]: eu não sabia.
Eu não sabia que aspecto teria no futuro aquele pão com muita margarina. Mas eu imaginava que ia fazer mal, não se passa tanta margarina no pão, que irritante. Eu queria que ele tirasse pelo menos 30 por cento, aquilo ia lhe fazer mal. Os problemas que aquilo poderia gerar me preocupavam. Era meu amigo! Não queria que engordasse seus problemas. Então eu soube, naquele instante, que eu não fazia a menor idéia de como era comer pão com bastante margarina. Talvez fosse bom. Enfim.
Eu não sabia o que ele estava passando [na vida], mas eu disse que sabia. Num impulso, pra ajudar um amigo, solidariedade pura (livre de gorduras-trans). Tentei limpar um pouco das cagadas que ele estava fazendo com essa solidariedade toda que eu tinha pra dar.
Quando Juracy, minha amiga e diarista, saiu do meu apartamento hoje a tarde, achei bonito lhe dizer obrigado. Era ela que sempre deixava meu banheiro brilhando. Mas dessa vez eu vi mais que um banheiro brilhando: quando olhei para aquele banheiro limpo, minha vida inteira deu um passo a frente. Durante pelo menos 10 segundos, ficou livre de problemas e eu entendi melhor as frases clichês que as pessoas usam.

5 comentários:

Anônimo disse...

Tá aí um dos clichês que mais me irritam no mundo...
Quando alguem me diz que sabe pelo que eu estou passando eu fico até chocada... Ainda acho que cada vivência, boa ou ruim, é uma experiência muito particular...
Tem gente que sofre porque não juntou dinheiro no fim do mês pra comprar aquela calça de marca... Outros sofrem porque faltou dinheiro pra comprar o pão dos filhos. Ambos sofrem... Mais fútil ou menos, só á eles cabe sentir á frustração desse sofriemento. E eu já mais vou ter a capacidade de mensura-lo.
Troquei o clichê por outro mais simpático e menos educado: "Imagino que deve ser foda." Sempre funciona.

Unknown disse...

Lendo este post já senti o que você estava sentindo quando escrevia...ehehe
Abraços

Romoal disse...

As situações podem ser as mesmas, mas o sentimente pode variar de pessoa para pessoa...

abraço.

Unknown disse...

Clichê é um problema na nossa vida mesmo.
É só dar bobeira e soltamos um. É assim sem pensar, parece que tá ali programado no nosso cerebro.

A LSD disse...

Não passe muita margarina no pão!